Tudo é gestão
29 March 2016
É de conhecimento geral que a construção no Brasil está quase completamente parada. E as razões são para lá de conhecidas. Porém, apesar disso há honrosos casos de projetos que não chegaram a parar, ou ainda melhor que isso. É o caso do metrô de Salvador. O sistema de transporte da capital baiana vive outra realidade: a obra avança em ritmo acelerado.
Como os responsáveis por um projeto de R$ 4 bilhões apresentam esse nível de desempenho durante um mau momento do mercado? A CLA conversou com o presidente da concessionária CCR Metrô Bahia, Luis Valença, para descobrir o que os baianos têm.
E o segredo está na modelação do projeto, somado a uma gestão de obra que se aproxima da perfeição.
O projeto é uma Parceria Público-Privada (PPP) entre o governo estadual da Bahia e a empresa CCR, conhecida gestora de infraestruturas brasileira. Assinado em 2013, o contrato prevê a construção de duas linhas, com total de 41 quilômetros e 23 estações, que estarão em funcionamento em 2017. Além disso, são parte do pacote nove terminais de ônibus de conexão. A operação da infraestrutura, com seu correspondente investimento em 40 trens de quatro vagões, sistemas elétricos e de automação, também é responsabilidade da CCR, por um período de 30 anos de concessão.
Hoje em dia, a linha 1 (que tinha parte de sua estrutura construída há anos como obra pública, e que foi recuperada pela CCR) está concluída. E a linha 2, que conectará a cidade de Salvador com a vizinha Lauro de Freitas (13 estações), avança rapidamente.
Sem parar
Isso se explica pelo contrato. A PPP da Bahia com a CCR prevê por parte do governo uma remuneração anual à concessionária no valor de R$ 127,6 milhões, mas isso só se concretiza em pagamentos quando o metrô estiver em plena operação. “Essa é a magia do projeto. Nós recebemos só parte disso a cada ano, correspondente aos avanços, enquanto a obra não terminar. Para ter acesso à principal receita da concessionária, eu preciso avançar com a obra. Além disso, a receita proveniente do pagamento de tarifas pela população só será totalmente produzida quando o metrô estiver em operação total”, diz o presidente da CCR Metrô Bahia.
Ou seja, é de interesse da concessionária que a obra seja concluída o mais rápido possível. “Esse é um bom contrato de PPP em que o capital colocado pelo Estado para financiar a obra não é suficiente para pagar pela construção, nem tampouco para remunerar o acionista. Só recuperaremos o investimento mediante o pagamento anual total mais a tarifa. Esperamos que seja o mais rápido possível, porque se não for assim, teremos perdas”, diz Valença.
Mas quem paga o investimento pesado? O financiamento da construção é compartilhado. Dos R$ 4 bilhões, R$ 2 bilhões são provenientes de um empréstimo da CCR junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O estado da Bahia tem à sua disposição outros R$ 2 bilhões (parte deles provenientes do Fundo de Investimentos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, que como se sabe é gerido pela Caixa Econômica Federal; a outra parte deste capital provém do Fundo de Participação dos Estados, do governo federal). Mas a liberação destes recursos estaduais à concessionária se faz contra a conclusão de etapas, o que estimula ainda mais o prosseguimento dos trabalhos.
É dessa maneira que o funcionamento se baseia num endividamento da CCR para realizar os investimentos, que se cobre parcialmente com dinheiro público contra entrega de avanços. Os avanços permitem à CCR receber uma parcela cada vez maior da sua remuneração anual prevista no contrato, até que chegue ao topo do valor acordado quando concluir a obra. E quanto mais estações entrarem em operação, mais se arrecada com passagens, o que obviamente ajuda a pagar a dívida da concessionária com o banco público.
De acordo com o presidente da CCR Metrô Bahia, o tempo previsto de retorno do investimento no metrô de Salvador é de nove anos, a partir da entrada em operação plena. Obviamente, a concessionária quer que estes nove anos comecem a contar o quanto antes.
E é importante afirmar que o contrato prevê redutores do pagamento anual. Por exemplo, se as pesquisas de satisfação dos usuários disserem que o serviço da CCR está ruim, a remuneração anual vai se reduzir até haver melhoria.
Gestão compartilhada
A CCR é uma empresa de gestão de infraestruturas controlada por duas grandes construtoras brasileiras, a Camargo Corrêa e a Andrade Gutierrez. Elas são as formadoras do consórcio construtor contratado pela concessionária para realizar a obra do metrô de Salvador. E isso faz toda a diferença, de acordo com Luis Valença.
“A indústria da concessão de infraestruturas funciona por modelo de gestão. Quem tem a melhor proposta é o vencedor, porque o risco é alto. Se não se encontra uma solução de engenharia e construção que me permita ter preço, prazo curto e qualidade, não há o sucesso”, afirma o executivo.
Valença se refere ao fato de que todo o processo começa com uma licitação aberta pelo governo para a construção de determinado projeto, mas sem especificar um projeto executivo. Ou seja, ao vencer o certame, uma concessionária pode ver-se desafiada por toda ordem de problemas reais e imprevistos, como condições geológicas inadequadas, ocupações urbanas irregulares, redes de água e esgoto clandestinas e muitos outros.
Para compensar essa desvantagem, a CCR se baseia na experiência de suas controladoras. “Temos um contrato com as construtoras que compartilha com elas uma parte desses riscos e as traz para o mesmo nível de interesse da concessionária. Eu mantenho com elas um contrato que me permite dar-lhes o mesmo nível de incentivo que eu recebo do Estado. É uma relação muito sofisticada. Quem tiver essa relação terá o diferencial competitivo, que nesse momento é nosso”, diz o presidente.
Valença não dá detalhes de como funciona essa relação corporativa. Mas menciona alguns exemplos. “O modelo permite por exemplo avaliar se seria melhor utilizar equipamentos próprios, o que em teoria seria o mais econômico, mas devido aos custos associados em 2013, quando a ociosidade estava baixa, fizemos contas que indicaram ser preferível a locação de maquinário com o mercado local de aluguel. Dessa maneira, fizemos essa opção de locar com as empresas do mercado baiano, mas com contratos de operação, para evitar ociosidade”.
A experiência da Camargo Corrêa e da Andrade Gutierrez é crucial como aporte no momento de gerar soluções para casos específicos. A Linha 2, que é toda em superfície, cruza importantes estradas de acesso à cidade. Para conseguir dar conta, estão sendo construídas passagens sob o nível das vias para os trens, escavando e transformando trechos rodoviários em viadutos.
Tudo para não parar. “O que busco fazer é utilizar processos industrializados. Quanto menos artesanal, melhor”, conclui Luis Valença.