Mudança cultural

07 February 2014

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A América Latina tem uma longa história de obras mal sucedidas. Nos acostumamos a ver, na região, obras que nunca se entregaram, ou que terminaram anos depois do prazo, ou com um custo final muito maior do que o orçamento original. Enquanto os governos tentam modelar melhor os contratos de obras públicas, continua sendo uma visão de futuro a América Latina que executa projetos de infraestrutura com qualidade, dentro do prazo e dos valores estimados. Com uma ampla experiência e respaldo no tema, um grupo de empresas e representantes do governo do Reino Unido vem se aproximando de diferentes países da região para compartilhar seus conhecimentos a respeito da modalidade de Parceria Público-Privada conhecida em seu país como PFI (Private Finance Initiative).

O modelo PFI é uma criação conjunta dos governos do Reino Unido e da Austrália do início dos anos 90. A mecânica não é difícil: o governo tem um projeto de infraestrutura pelo qual não pode pagar; licita o projeto a um consórcio que assuma responsabilidade de projetá-lo, financiá-lo, construi-lo, operá-lo e mantê-lo por um período; o governo recebe o ativo e só então começa a pagar por ele; ao final de um prazo – que pode ser de cerca de 30 anos – o ativo se reverte ao Estado.

Em linhas gerais, é parecido a uma concessão de obra pública. Mas no PFI o consórcio privado é o responsável por buscar financiamento no mercado e o governo é apenas um fiador. Unicamente quando o projeto é entregue e entra em operação, o governo começa a pagar cotas fixas anuais, contra certos padrões de desempenho, que se não forem cumpridos facultam ao Estado não pagar o operador. Só se paga se há serviço. Além disso, diferentemente de uma concessão, o usuário não paga por usar a infraestrutura.

Na outra ponta do esquema está o mercado, que espera receber o pagamento do financiamento, o que evidentemente agrega a pressão financeira por resultados.

Os defensores do PFI para a América Latina o apresentam como um novo modelo de PPP. Eles tentam abrir frentes de diálogo técnico com os governos da região. Na liderança desse trabalho, está o departamento do governo do Reino Unido Infrastructure UK.

Javier Encinas, um colombiano que trabalha nesse órgão britânico, sonha em ver o modelo adaptado aos países latino-americanos. “O que estamos propondo é um modelo novo, onde a contratação não é para obter um ativo, a contratação é por um serviço. O ativo é um meio para chegar a um fim, e esse fim é que o setor privado faça o projeto, financiamento, construção, operação e manutenção do ativo”.

Para Encinas, a implementação desse esquema de PFI para a construção de infraestrutura pressupõe uma grande mudança cultural. “Tony Blair não o inventou, mas deu muita ênfase ao PFI, e quando lhe perguntavam por quê, respondia que desejava transformar a mentalidade de seus funcionários. Queria criar nos funcionários a mentalidade de longo prazo, que vissem o setor privado como um aliado e não como inimigo”, diz.

O executivo conta que depois dos primeiros anos de experiência do PFI no Reino Unido, 85% dos projetos realizados mediante essa modalidade tinham sido executados dentro do prazo e do orçamento, contra apenas 35% das obras públicas. Passados três anos, refizeram a pesquisa e enquanto o PFI mantinha seu desempenho, as obras públicas haviam melhorado para 45% o número de projetos entregues dentro do prazo e do orçamento. “O pessoal do governo que tinha trabalhado anos fazendo PFI foi fazer obras públicas e aplicou o mesmo rigor utilizado nos projetos PFI. Os Jogos Olímpicos de Londres foram uma grande obra pública bem executada”, conta Javier Encinas.

RIGOR

John Davie, diretor da empresa de consultoria Altra Capital, viaja com frequência à América Latina para falar em favor das PPPs à maneira britânica. Colômbia e Chile são os países onde põe suas fichas. Davie diz que não há milagre numa boa execução de obras de infraestrutura, e sim um cuidado quase obsessivo com o projeto. “É muito trabalho e diligência. Os governos têm que fazer planos financeiros tal como os bancos de investimento, para provar que os projetos funcionam”, assegura.

O executivo se lembra da época anterior ao PFI no Reino Unido, quando depois de um modelo totalmente estatal, o país fez uma guinada radical rumo a um sistema muito amplo de privatizações. “O Instituto Adam Smith fez uma pesquisa para saber por que as mesmas empresas construtoras, às vezes as mesmas pessoas, podiam construir plataformas de petróleo no Mar do Norte dentro do prazo e do orçamento enquanto todos os trabalhos para o governo britânico resultavam em média 160% mais caros do que o orçado, atrasados e de má qualidade. A resposta foi clara: numa empresa privada de petróleo há um executivo muito experiente que não assina o contrato até que todas as partes envolvidas lhe provem que não haverá mudanças futuras no prazo e no custo”. Esse tipo de trato rigoroso das obras de infraestrutura é exatamente a cultura que a Altra Capital quer estimular na América Latina.

INFRAESTRUTURA SOCIAL

Não apenas o Reino Unido explorou as possibilidades do PFI. Espanha, Austrália, Portugal, Canadá, França e muitos outros países o experimentaram. Para a América Latina, o que torna essa forma de PPP uma alternativa interessante é que virtualmente se pode aplicar esse modelo a qualquer infraestrutura de uso público. Em muitos países, são comuns os casos de escolas, hospitais, prisões, museus, e outros equipamentos de infraestrutura essenciais que se constroem utilizando esse modelo.

Os defensores do PFI destacam que, por abrir a obra pública à criatividade e à inovação que geralmente caracterizam a iniciativa privada, as infraestruturas sociais podem apresentar um melhor desempenho. Alguns exemplos: uma escola projetada de maneira mais a ver com a cultura jovem atual pode ajudar os alunos a aprender e permanecer no ambiente escolar; uma prisão com melhores espaços e serviços pode facilitar a recuperação dos presos.

Evidentemente, se deve aprender com os erros alheios. Ainda que não sejam a maioria, alguns projetos de PFI apresentaram problemas na Europa, principalmente relacionados ao financiamento privado, a omissões nos projetos e à baixa demanda por alguns dos serviços oferecidos. A chave, que serve tanto para gestores públicos como para o setor privado, é perceber que não é porque o dinheiro público posterga seu investimento que qualquer projeto se justifica.

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