Brasil pendular

04 September 2020

Falar do Brasil neste ano absolutamente particular de 2020 é complexo. Primeiramente, porque o país ficará na história desta pandemia como um dos que pior respondeu à emergência sanitária.

Ao momento em que este artigo fechava, o país contava já mais de 105 mil pessoas mortas por Covid-19. A cada dia, o Brasil perdia mais de 1 mil vidas para a infecção. Entre os contaminados, no início de agosto o país já tinha mais de 2 milhões.

Works

Com orçamento público, o Ministério da Infraestrutura tem sido capaz de manter uma agenda de pequenas e médias obras.

A gestão da pandemia pelas autoridades só pode ser classificada como caótica. O presidente Jair Bolsonaro negou a complexidade da situação em repetidas ocasiões. Depois, quando a realidade se impôs, empreendeu uma cruzada particular contra as medidas de controle, argumentando que o fechamento das atividades econômicas faria mais mal ao país do que uma crescente quantidade de doentes e mortos. Quando as dezenas de milhares de mortos seguiam crescendo, Bolsonaro pôs todos os seus esforços em fazer a propaganda de um medicamento que foi desconsiderado por todo o mundo.

Com uma curva de contágio que se estabilizou e não dá sinais de baixar, o Brasil entrou no segundo semestre sem conseguir isolar corretamente sua população. E mesmo assim, não conseguiu manter o ritmo de crescimento (que havia sido de 1,1% em 2019), visto que os prognósticos mais generosos apontam queda do PIB de pelo menos 5% em 2020.

Em agosto, a maioria das cidades do país tinham suas lojas e setores não essenciais em funcionamento. Ainda assim, a atividade não voltara ao nível normal, por um medo generalizado do desemprego, de endividamento e do próprio contágio.

Portanto, é numa situação que pode ser classificada como uma das piores do mundo que este paradoxal país encontra algumas boas notícias para celebrar, que de fato nos fazem recordar sua natureza pendular. Vamos a elas.

Mercado vivo

Um dos preços macroeconômicos mais fundamentais para uma economia com baixas taxas de investimento são os juros. No caso brasileiro, a taxa nunca foi tão baixa. No dia 5 de agosto, o Banco Central resolveu que a taxa Selic passaria a ser de 2% ao ano, um recorde histórico que em qualquer parte do mundo deveria fazer o capital se movimentar no rumo do investimento produtivo quase imediatamente.

Bridge

A nova ponte entre Brasil e Paraguai é um exemplo de projeto que foi adiante.

E não é que no Brasil este efeito não venha acontecendo. O investimento retorna, mas pouco a pouco. O motivo principal para isso vem desde antes da pandemia, embora seja certo que a Covid-19 tenha dificultado a recuperação. A questão principal no país é a insuficiência da demanda, que vem machucada já há cinco anos pela recessão econômica, pelo desemprego persistente na casa dos 15% e uma brutal informalidade que comprimiu a renda das famílias.

De maneira que a construção imobiliária, que este ano apresenta números não tão dramáticos apesar da pandemia, respira ares positivos. As obras voltaram, focando dois segmentos de mercado: condomínios e apartamentos de alto padrão para investidores e, por outro lado, edifícios de apartamentos muito pequenos, muitas vezes financiados com recursos subsidiados pelo governo através do programa Mina Casa Minha Vida.

A resposta incerta do país à crise sanitária (deixando que os estados e municípios decidissem o que abria e o que fechava) contribuiu para que alguns segmentos econômicos passassem melhor pelo problema. Alguns deles se relacionam com a construção, a exemplo do varejo de materiais de construção. Este setor registrou crescimento de 8,3% em julho sobre o mês anterior, o que indicaria uma rápida recuperação, embora o número do primeiro semestre como um todo fosse de queda interanual de 9,1%.

O setor de cimento também registrou crescimento no período da pandemia. Em junho, as cimenteiras brasileiras cresceram 24,2% sobre junho de 2019, e ao longo do primeiro semestre o setor vendeu 26,9 milhões de toneladas, representando crescimento de 3,6% sobre igual período do ano anterior. De acordo com o Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (Snic), o bom desempenho responde à reativação do mercado imobiliário (consequência dos juros baixos), e à tendência do trabalho remoto. A adaptação de muitas casas ao home office teria requerido muitas pequenas obras que demandaram mais cimento.

Infraestrutura

Nada do que está acima, no entanto, nos permite supor uma recuperação de vulto da construção no Brasil, dado que para o tamanho e as carências de sua economia, apenas as grandes obras de infraestrutura apontariam um futuro de prosperidade consistente.

Aí se destaca uma figura política muito pouco comentada no país, mas que é uma das surpresas positivas do novo governo: o ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas. Ele é um burocrata experiente que já trabalhava para o governo anterior, conhece a máquina pública e se mantém distante das múltiplas polêmicas vazias que o presidente e seu círculo mais próximo geram a cada dia.

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Tarcísio de Freitas é o responsável pela Infraestrutura e vem entregando resultados.

Tarcísio de Freitas conseguiu manter o pequeno orçamento de seu ministério quase intocado durante o ano (não foi assim em outras áreas: por exemplo, a Saúde não gastou mais de 25% do orçado mesmo com a pandemia). E em função disso o Ministério da Infraestrutura pôde abrir uma interessante sequência de obras públicas de pequeno e médio porte, a maioria das quais planejada antes do governo Bolsonaro. A atuação política de Freitas dentro de um governo que costuma optar pelo corte do investimento público explica boa parte do desempenho positivo na indústria de máquinas e equipamentos para construção (ver artigo da Sobratema nesta edição).

O desafio da área de Infraestrutura, entretanto, é o programa de concessões. Conhecido como PPI no governo Temer, o pacote de projetos que se pretende leiloar à iniciativa privada é significativo, e agora é conhecido simplesmente como “o programa de concessões”.

O pacote de ativos e projetos tem um valor de R$ 242,4 bilhões. Mais da metade destes projetos são da área de rodovias, mas as somas são também importantes na área de ferrovias, aeroportos e portos. Uma parte deles já foi a licitação e está contratada, mas eram ativos em operação, como aeroportos, que já recebem ou em algum momento receberão investimentos. O mais importante, contudo, está por vir. Apenas um projeto rodoviário (abrangendo diversos trechos de várias rodovias) porá em leilão 7,2 mil quilômetros e prevê investimento de R$ 53,6 bilhões.

Mas este programa se apresenta desafiador por duas razões, uma de ordem política, outra de ordem econômica.

É muito certo que os ativos e projetos que o Brasil quer pôr em concessão são interessantes, mas também é certo que se aproveitamento econômico em muitos casos depende de um nível significativo de crescimento sustentado do PIB, e isso já não vinha acontecendo no Brasil pré-pandemia, e pode estar ainda mais sob risco no pós-pandemia.

Bolso

Bolsonaro mostra o remédio que ele acredita ser útil para tratar da Covid-19.

O problema político é que investidores buscam lugares estáveis para aportar seu capital, e o governo de Jair Bolsonaro não deixa ninguém tranquilo, nem dentro nem fora do Brasil. Suas políticas ambientais explicitamente incorretas, seu manejo das crises internas com o Poder Judiciário e o Congresso, sua maneira de se comunicar com o povo como se nunca tivesse terminado as eleições, tudo isso cria um conjunto de instabilidades que faz mal às perspectivas de investimento no país.

Finalmente, a crescente militarização de seu governo, e a fratura entre ministros que defendem uma gestão econômica de restrição fiscal e aqueles que defendem investimentos públicos, ameaça, deteriorar a confiança que os mercados ainda têm no governo Bolsonaro.

Drama fiscal

No coração desta fratura política do governo, está o problema fiscal do Brasil. Embora o déficit público planejado para 2020 estivesse ao redor de R$ 140 bilhões, com os efeitos da pandemia este número poderá alcançar níveis estratosféricos. Há estimativas de que pode chegar aos R$ 800 bilhões.

A subida do déficit público tem a ver com uma medida humanitária: o auxílio emergencial que está sendo pago a milhões de brasileiros garante, no momento, uma renda mínima de sobrevivência e uma possibilidade de consumo que compensa algo do efeito devastador da pandemia.

Paulo Guedes, famoso por sua posição intransigente na defesa de minimizar o gasto público, já não conta com o apoio interno que costumava ter a sua agenda, e vinha perdendo importantes secretários de seu ministério em agosto. A batalha se dá em torno a prioridades: enquanto Guedes e seus secretários defendem que as reformas estruturais continuam sendo o principal, outra parte do governo adverte que o momento é de priorizar a saúde da economia nacional, mesmo que isto gere endividamento maior a curto prazo.

Guedes

Paulo Guedes, ministro da Economia, agora é questionado.

E a arena deste conflito é a regra constitucional estabelecida em 2016 através da PEC 95, o “Teto de Gastos” do governo federal. Com a estagnação econômica dos últimos anos gerando inflação muito pequena, o mecanismo de correção do limite de gastos obriga a que os gastos praticamente não cresçam em 2021. O problema é que isto levará a um subfinanciamento de áreas essenciais como saúde, educação e, provavelmente, infraestrutura.

O conflito está posto. O governo pode manter o rigor fiscal e deixar parte importante da sociedade sob o risco de não funcionar, ou relaxar o controle fiscal flexibilizando o teto de gastos ainda este ano. E isto com mais de 1 mil mortes por dia pela Covid-19.

Não surpreende que muitos economistas do país tenham começado a exigir a flexibilização do teto de gastos, principalmente porque a dívida pública brasileira é praticamente toda interna, e as reservas externas do país são equivalentes a US$ 334 bilhões, ou quase 20% do PIB.

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